Perguntando é que se aprende (XIX)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Nós brasileiros temos um problema de memória: esquecemos dos fatos, e se não fosse a mídia, certos acontecimentos perderiam seu registro para sempre. Já escrevia o filósofo George Santayana (1863-1952) que “Aqueles que não conseguem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo”. Nada mais verdadeiro para um país que, por exemplo, esquece do mal que determinados políticos lhe fizeram. Passados alguns anos, os mesmos aventureiros são reeleitos e voltam a ocupar cargos, através dos quais podem, de novo, tirar proveito do cidadão - ou mais especificamente dos impostos que este paga. Esta a razão da extrema importância da lei da “Ficha Limpa” que, volta e meia, alguns parlamentares tentam alterar e tornar mais branda, para que a impunidade possa continuar.

Sob outro aspecto a falta de memória é providencial; fez com que a sociedade brasileira desenvolvesse uma grande tolerância em relação a indivíduos e organizações que praticam atos ilegais. A questão do trabalho escravo, por exemplo. Um país com mais de 300 anos de regime escravocrata deveria ter uma forte aversão contra qualquer atividade ou situação, que de longe lembrasse tal prática monstruosa. A condição é tão grave, que duas ONGs lançaram em 2012 o “Atlas do Trabalho Escravo no Brasil”, dando um perfil dos trabalhadores que correm alto risco de se tornarem vítimas desta prática e mostrando as regiões onde existe a maior possibilidade de tal fato ocorrer.

No estado de São Paulo, é freqüente a descoberta de trabalhadores escravos – muitas vezes imigrantes clandestinos – atuando em confecções, que fabricam roupas para marcas e lojas de departamentos famosos. Identificados o local e constatado o crime, os proprietários (ou seria melhor dizer os “feitores de escravos”) recebem uma multa e são obrigados a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) emitido pela Delegacia do Trabalho. Punição bastante leve, para um crime tão fortemente repudiado.

Recentemente foi identificada mais uma “casa de trabalhos forçados” em Americana, interior do estado. Segundo o jornal Folha de São Paulo, “O caso foi enquadrado como análogo ao trabalho escravo, por falta de registro em carteira, condições degradantes, moradia precária, aliciamento de trabalhadores e indícios de jornada abusiva.” As marcas e empresas envolvidas direta ou indiretamente aparecem no jornal, mas logo serão esquecidas. Além disso, o envolvimento direto é sempre difícil de provar, já que os “feitores” – aqueles que exploram a mão de obra escrava – preferem assumir a culpa pelo crime, ao invés de perder o rico cliente. Uma lista de exploradores do trabalho escravo encontra-se no site http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm. A relação é extensa, mas limitada aos casos efetivamente identificados; o quadro real deve ser muito pior.

A reforma do Código Penal pretende incluir a exploração do trabalho escravo na lista dos crimes hediondos inafiançáveis, conforme http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/198528-TRAFICO-DE-PESSOAS-PODE-SE-TORNAR-CRIME-INAFIANCAVEL.html. É estranho que a escravidão ainda não tenha sido considerada crime hediondo. Talvez seja porque porque só agora se tornou mais comum, tendo sido inexistente no passado? 

A grande pergunta é se no futuro todos os envolvidos com trabalho escravo e tráfico de pessoas serão efetivamente punidos. Ou será que a “falta de memória” dos órgãos competentes continuará esquecendo de aplicar a lei aos criminosos?

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