"Cabeça bem feita", de Edgar Morin

terça-feira, 21 de julho de 2015
"Não mais fazer diferenças é então, em primeiro lugar, renunciar a atribuir a certas coisas um valor falso, medidas unicamente a partir da escala humana."  -  Pierre Hadot  -  Exercícios espirituais e filosofia antiga

Morin já pensava na necessidade da reforma do ensino há alguns anos. O livro "Cabeça bem feita", depois de vários obstáculos, resultou na proposta que visa despertar o autodidatismo e “criar uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver”.
Os desafios
Há uma fragmentação crescente das disciplinas, o que por outro lado nos impede de ver o global. A complexidade, a interdisciplinaridade, aumentam cada vez mais e a visão unidimensionalista nos incapacita a compreender os fatos. Este tipo de visão é resultado do nosso próprio sistema de ensino, que apresenta o mundo e os saberes de forma dissociada. Outro aspecto desta nova realidade é que o conhecimento cresce ininterruptamente, sendo cada vez mais difícil abarcá-lo. Existe uma grande dissociação entre as ciências humanas e as técnicas. Neste contexto, Morin coloca três desafios: 1) o desafio sociológico, que requer a integração da informação, do conhecimento e do pensamento; 2) o desafio cívico, representado pela democratização do saber; e 3) o desafio dos desafios, significando a reforma do ensino e do pensamento.
A cabeça bem feita
A frase é inspirada em Montaigne, filósofo francês que dizia que “vale mais uma cabeça bem feita, que uma cabeça bem cheia”. Morin ressalta a importância da curiosidade e da capacidade de colocar problemas; colocar as perguntas certas. Alguns aspectos que considera importantes para chegar a uma cabeça bem feita são, segundo o autor, os seguintes:
·Organização dos conhecimentos: contextualizar e globalizar conhecimentos é imperativo para a educação;
·Novo espírito científico: as ciências tratam de sistemas complexos, aumentando sua abrangência e fugindo do antigo reducionismo científico;
·Ecologia: seu estudo trata da interação de sistemas vivos e engloba múltiplas disciplinas;
·Ciências da Terra: contribuem com a ecologia e a geografia para estudar os fenômenos geológicos da Terra;
·Cosmologia: a estrutura e a evolução do Universo, aliado aos novos conhecimentos da física atômica;
·Os atrasos: a interação da biologia com outras ciências (genética, ecologia, antropologia, sociologia, etc.) para determinar a origem e a evolução da vida e dos humanos, particularmente.
A finalidade, pois, da cabeça bem feita, é a interação das culturas científicas e humanistas.
A condição humana
O estudo da condição humana não depende apenas das ciências humanas. Depende do conhecimento da cosmologia (origem do Universo) das ciências da Terra (origem da Terra) e da ecologia (a manutenção da vida). Segundo o autor, a contribuição do conhecimento humano pode ser dividido em:
·A contribuição das ciências humanas, que se encontram fragmentadas, dividindo-se em várias áreas do conhecimento (sociologia, economia, história), cada ciência com suas análises específicas;
·A contribuição da cultura das humanidades, onde Morin fala da contribuição da literatura, do cinema, da poesia, da escultura, enfim, de todas as artes em sua análise da condição humana.
Aprender a viver
Morin chama atenção para o fato de que a educação não é só acúmulo de conhecimentos, é incorporação de sapiência (sabedoria) para toda a vida.
A escola da vida e a compreensão humana
Neste capítulo Morin fala dos personagens da literatura, criados por Dostoievski, Shakespeare e Proust, referindo-se às sensações e sentimentos que estes personagens e estas histórias nos provocam, ensinando – principalmente os jovens – os valores da vida. Através desta compreensão, descobre-se os valores da vida, entendendo melhor a índole humana. Fato importante ressaltado pelo autor é o conhecimento constante de si mesmo, através de uma atitude reflexiva, característica dos escritos de Montaigne. Mais uma vez Morin ressalta a importância da filosofia na vida diária, estimulando a crítica e a autocrítica.
Enfrentar a incerteza
Morin informa que a maior certeza que nos foi dada é a destrutibilidade das certezas. A moderna física não nos pode mais transmitir certezas sobre o Universo e sua origem, assim como da vida, dado o modo aleatório como ocorrem a evolução da vida, findando na origem do homem. Vivemos em um Universo cercado de incertezas, tanto com relação as nossas sensações, quanto ao conhecimento.
A incerteza permeia a história humana; todos os impérios que pareciam eternos foram destruídos e fatos da história recente embaralharam nossas mais arraigadas convicções. “É preciso, portanto, prepararmo-nos para nosso mundo incerto e aguardar o inesperado” (pag.61). Todavia, em meio a todas estas incertezas é preciso estabelecer com estratégia a “fé incerta”, no sentido em que Pascal, Unamuno e Dostoievski a compreendiam.
Aprendizagem cidadã
O fato de alguém pertencer a uma nação deve significar que conhece os costumes e a cultura de seu povo. Todavia, o Estado-Nação, produto dos movimentos nacionalistas do século XIX, tende a desaparecer, basicamente em função do caráter supranacional dos problemas e de suas soluções. Trata-se de abolir o velho Estado-Nação e sua realidade mitológico-religiosa, com todas as suas idiossincrasias. Este movimento já está se tornando realidade, em função de um passado pan-europeu cultural e de problemas atuais que estão afetando todos os países da Europa e do mundo, como a destruição do meio ambiente, a transformação da economia mundial, etc. Os movimentos de cidadãos do mundo, como as ONGs, estão criando uma mentalidade cada vez mais voltada para o mundo e não para países específicos.
Os três graus
Com relação ao ensino, Morin começa sua análise com o nível primário. A “cabeça bem feita” deveria partir de interrogações que considerassem o ser humano em seus aspectos de origem cósmica, física e biológica; em seus problemas culturais. “É preciso aprender a conhecer, ou seja, a separar e unir, analisar e sintetizar, ao mesmo tempo”, escreve Morin. No curso secundário, a ênfase seria dada a um conhecimento mais baseado nas ciências humanas, não esquecendo, porém, de incorporar as tecno-ciências e suas implicações, notadamente a filosofia. A terceira etapa é a universidade, centro de excelência em conhecimento, livre de restrições políticas e religiosas e destinadas a transmitir o conhecimento secular acumulado. Uma das idéias de Morin é introduzir o que ele chama de “dízimo epistemológico ou transdisciplinar”, que incluiria um misto de matérias científicas e humanas (cerca de 10%) em todos os curriculae.

A reforma do pensamento
Morin chama a atenção para um tipo de pensamento cada vez mais preponderante hoje em dia, o pensamento sistêmico, onde o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes. Na ciência, duas revoluções científicas preparam a reforma do pensamento: a queda do dogma determinista de que existe uma unidade básica do universo e o ressurgimento das entidades globais, como o cosmos, a natureza e o homem. Dentro desta nova perspectiva de pensamento, Morin coloca sete diretrizes para os novos tempos:
1. Princípio sistêmico ou organizacional, que liga o conhecimento das partes e do todo;
2. O princípio hologrâmico, presente nas organizações complexas, onde não apenas a parte está no todo, como o todo na parte;
3. Princípio do circuito retroativo, característico dos sistemas autorreguladores: a causa age sobre o efeito e o efeito age sobre a causa;
4. Princípio do circuito recursivo, característica dos sistemas autoprodutores e auto-organizadores;
5. Princípio da anomalia/dependência: a dependência que o sistema tem do meio ambiente, de onde retira energia, informação e organização. Como exemplo, cita um corpo, cujas células se autoregeneram constantemente;
6. O princípio dialógico, que une dois princípios que deveriam excluir-se, mas são indissociáveis de uma mesma realidade.
7. O princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento, tratando da reincorporação de princípios já conhecidos em uso em novas ideias.
Para além das contradições
Neste capítulo Morin fala das diversas demandas da moderna educação: recursos, novos programas, novos sistemas, etc. Todavia, o grande impasse a que se chega é “que não se pode reformar mentes se não se reforma as instituições e vice-versa. Para iniciar este processo, é necessário redimir a missão de quem ensina, que seria preparar as pessoas para pensarem e reagirem aos novos desafios apresentados pelo mundo.
Inter-poli-transdisciplinaridade
A verdadeira solução de um problema não é tanto o resultado de um domínio do tema que traria a solução, mas principalmente um olhar novo sobre o problema. A partir deste ponto, Morin exemplifica várias maneiras de abordar problemas científicos e práticos, em diversas áreas.
A noção de sujeito
Morin discute a noção de sujeito no pensamento ocidental, principalmente durante as últimas décadas. Aborda também a noção do “eu” e a divisão do cérebro em três unidades, ou camadas, resquícios do nosso passado réptil, mamífero, acrescido dos elementos humanos. Morin acredita na possibilidade de um desenvolvimento da personalidade humana, integrando seus aspectos “animais” à cultura.(Imagens: pinturas de Andy Warhol)

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