Pandemia e a ação de governos

sábado, 19 de setembro de 2020

 
"Não há nada de importante no que não é original e o que é original traz sempre em si as mazelas do indivíduo."   -   J. W. Goethe   -   Máximas e reflexões


O Brasil, assim como todos os outros países, encontra-se em meio a uma pandemia virótica. No momento em que escrevemos este artigo, mais de 28,7 milhões de pessoas já foram infectadas em todo o mundo, com 922 mil mortes. No Brasil há, até o momento, aproximadamente 4,3 milhões de casos e ocorreram cerca de 131 mil mortes.

As estratégias de combate à pandemia são basicamente as mesmas em todos os lugares, seguindo padrões (atualmente costuma-se falar em protocolos) já estabelecido pelas organizações para enfrentar outras surtos passados. Isolamento social, principalmente para grupos de risco, uso de proteção das vias respiratórias (máscaras) e muita higiene pessoal – especialmente a lavagem das mãos. Essas medidas, se bem aplicadas, podem ser bastante eficientes para manter a pandemia sob controle até que ela diminua. Adicionalmente, outra precaução fortemente recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), foi a testagem e o isolamento de pessoas contaminadas, e de todas aquelas com as quais estas tiveram contato. Tal providência foi bastante efetiva na China, onde a pandemia teve início e foi eficientemente controlada, na Alemanha, na Coréia do Sul, Taiwan e Singapura.

Já países como a Inglaterra, os Estados Unidos, a Suécia e o Brasil, cujos dirigentes primeiramente negaram ou relativizaram a gravidade do surto virótico, não implantando medidas de isolamento e não testando suas populações, atingiram um alto número de infectados. As medidas profiláticas implantadas em uma fase avançada de disseminação da doença entre a população, tiveram um efeito reduzido.

A maneira de como governos atuaram no combate à doença até agora, tem muito a ver com seus regimes políticos, a situação de suas economias, a reação de seus dirigentes empresariais, de seus médicos e até da própria índole de seus dirigentes. Personalidades autocráticas na forma de governar, líderes como Trump, Bolsonaro e Orbán, tentaram de início conduzir o combate da pandemia de forma personalista, pouco ou nada atentando para os conselhos de especialistas e às informações da ciência. São dessa fase as declarações de que “o vírus não é perigoso e desaparecerá sozinho” (Trump) e “que se trata apenas de uma gripezinha” (Bolsonaro). Num fase seguinte do surto, ambos passaram a insistir no uso de medicamentos sem efeito terapêutico algum, ou podendo causar até efeitos colaterais, como no caso da cloroquina. Trump chegou até a sugerir a ingestão de desinfetante no combate à doença.

Os fatos se precipitaram, o número de casos e de mortes aumentou exponencialmente, e durante esse processo Trump teve vários atritos com especialistas responsáveis pela condução da crise. No Brasil, o ministério da Saúde foi sucessivamente ocupado por dois médicos, dos quais o primeiro foi demitido e o segundo pediu demissão. O substituto temporário ainda continua sendo um general, especialista na área de intendência, sem conhecimentos médicos ou de pandemias. Nos próximos dias, o general será empossado como ministro da Saúde em definitivo.

Inútil nesta fase da pandemia voltar às longas discussões havidas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos – e, em parte, na Hungria de Orbán – sobre a necessidade de quarentena; quarentena horizontal, quarentena vertical... Discussões aparentemente técnicas, mas que tinham provavelmente o objetivo de desacreditar as medidas preventivas e de organização do combate à pandemia. Assim, ocorreu que medidas rígidas de isolamento não foram sistematicamente implantadas, o que fez com que, segundo alguns especialistas, a duração da pandemia fosse estendida e o número de contaminados maior. Com isso, a economia também acabou sendo afetada. O auxílio emergencial, que permite que também pessoas sem qualquer tipo de renda possam permanecer isoladas, no caso do Brasil, só começou a ser distribuído a partir de final de abril de 2020, depois de muitas negociações entre o governo e o Congresso.

A partir de setembro os números de casos de infecção pelo coronavírus está caindo no Brasil. Em outros países da Europa, parece estar começando uma segunda onda de contaminação, depois que parte das atividades econômicas começaram a ser retomadas.

A gradual normalização da situação, seja em seus aspectos políticos, econômicos, sociais e médicos, só virá com a disponibilidade de uma vacina. Mas, mesmo sobre este tema ainda pairam dúvidas, o que dá margem a muita desinformação e circulação de notícias falsas. Não se sabe ainda, por exemplo, quando a vacina estará disponível. Os mais otimistas já preveem possibilidades de imunização a partir de dezembro de 2020, outros durante o primeiro trimestre de 2021 e os mais pessimistas somente mais tarde. Também existem os grupos que dizem confiar somente na vacina de certo país ou empresa, como se para qualquer vacina não fosse mandatória a fase de testes, durante os quais é preciso atingir certos padrões de efetividade. Outros, querendo ser mais originais ainda, dizem que, seguindo as afirmações do presidente, “ninguém é obrigado a tomar vacina” e que não tomarão a vacina. Enfim, falta de informação, ausência de diretrizes, que deveriam ser estabelecidas pelo órgãos competentes, entre outras coisas.

Esta não foi a primeira e não será a última pandemia a afetar a humanidade. Cientistas já anteveem a chegada de novas pandemias viróticas, inevitáveis, segundo eles, dada a invasão e destruição de áreas selvagens remanescentes, forçando microrganismos a procurarem novos hospedeiros – animais domésticos, de abate e humanos.

Uma das lições que mais uma vez se confirma é que o desenvolvimento social e político não é uma constante na história humana; princípio válido também para a nossa Civilização Ocidental. Povos e nações podem retroceder à ignorância, à credulidade e ao fanatismo em pouco tempo. Já vimos isso no século XX e novamente agora, quando se repetem as estratégias de grupos que apostam na desinformação e no embrutecimento, tirando das pessoas sua capacidade de analisar os fatos com racionalidade e bom senso. A história não se repete, mas os impulsos dos grupos humanos, animais que somos, têm certa previsibilidade.   


(Imagens: pinturas de Heinrich Stegemann)     


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