Não dá pra mudar?

sábado, 11 de março de 2023

"El nihilismo puede ser tanto una señal de debilidad como de fuerza. Es una expresión de la inutilidad del otro mundo, pero no del mundo y de la existencia em general."   -   Ernst Jünger   -   Sobre la línea        


A sociedade brasileira convive com grandes e pequenas incoerências, direta ou indiretamente resultantes da estrutura econômica que condiciona as relações sociais. A começar pela desigualdade social, que apesar do desenvolvimento da economia ao longo dos últimos setenta anos, ainda não foi reduzida. Ao contrário, se aprofundou mais ainda, principalmente durante os últimos dez anos. Continuamos a ser um dos países com a pior distribuição de renda em todo o planeta, apesar de estarmos colocados entre as 12 ou 13 maiores economias (já chegamos a ser a 6ª), dentre 193 outras nações.

A diferença de classes, comum em qualquer sociedade, foi levada ao extremo no Brasil. Se nos anos 1950 1960 e 1970, com a forte industrialização e urbanização do país, havia a convicção de que gradativamente as diferenças sociais diminuiriam, de que as oportunidades surgiriam para todos, nos anos 1980 esta impressão foi se desvanecendo e só se manteve através de propaganda oficial e privada. Planos econômicos, reformas, crises seguidas por crises, fizeram com que a situação da maior parte da população permanecesse estagnada ou piorasse.

Mas uma pequena parcela da população se locupletava (e ainda locupleta) em toda esta confusão econômica, aproveitando as “oportunidades” que surgiam, apossando-se de parte substancial das riquezas produzidas por toda a sociedade. A política e a condução da economia eram, afinal, em grande parte, dominadas por estes grupos; os donos do capital e dos meios de produção – terras, fábricas, máquinas. A classe média em seus diversos níveis, cerca de 30% da população, tentava a todo custo sobreviver, mas também reduzindo suas expectativas de melhoria de vida.

A cultura vigente no país, fomentada pela propaganda do governo, por seus agentes, pelo empresariado e pelos diversos agentes ideológicos – mídias, escolas, igrejas, associações -, sempre ignorou ou procurou amenizar esta escandalosa situação. Grande parte da população introjetou esta cultura através de conceitos, que formaram uma ideologia cuja função é justificar – ou pelo menos explicar por argumentos enganosos – esta situação. Como é possível que em um país tão grande, com tantos recursos naturais, com tanto potencial de desenvolvimento já existente, haja tanta concentração de riqueza de um lado e tanta miséria do outro? Mérito pessoal, engenhosidade, extenuante trabalho? (Risos)

Por outro lado hoje, no cenário mundial, as condições econômicas não são boas e tendem a piorar, a depender do desenvolvimento do conflito entre a Rússia e a Ucrânia (leia-se Estados Unidos) e de outros fatores, como a recuperação da economia chinesa e a questão do suprimento de energia na Europa. Ao mesmo tempo, vários cientistas afirmam que a velocidade das mudanças climáticas tende a aumentar, provocando um maior número de fenômenos violentos, como secas prolongadas, chuvas torrenciais, nevascas, furacões, entre outros. 

O Brasil, até por sua localização e extensão territorial, não está imune a todos estes acontecimentos. Grande parte de nossas exportações, por exemplo, são do setor agropecuário, que depende muito do clima. Nosso consumo de bens industrializados depende em parte de importações, já que a produção interna da indústria vem decrescendo ao longo dos últimos anos. Mesmo o terceiro setor, o de serviços, tido como “tábua de salvação para o desemprego” que assola o país há muitos anos, começa a mostrar uma queda, desde outubro de 2022. 

Assim, devido a diversos fatores internos e externos, o país chegou a mais uma dessas “encruzilhadas” da história. Fatos ocorrendo nas economias e na política dos países mais desenvolvidos acabam influenciando outras nações e, com isso, o desenvolvimento posterior da história local e mundial. Foi assim com o surgimento do sistema de produção industrial no final do século XVIII na Inglaterra, e com as Guerras Napoleônicas no início do século XIX na Europa, por exemplo. Hoje, além dos fatores político-econômicos, temos outro que irá influenciar e condicionar a evolução das sociedades por séculos: as mudanças climáticas.

Em relação ao futuro do Brasil, cabe perguntar se continuaremos nos contentando com as mesmas velhas respostas, que nos dão há décadas os “donos do poder”, em relação ao país. Ver a fome, o desemprego, a falta de serviços médicos, a educação ruim, os salários baixos, as péssimas condições de moradia, as populações inteiras desassistidas, e dizer: “Este país não muda por causa da corrupção dos políticos”, “Não dá pra mudar nada com tanta burocracia”, “São eles, os ricos, quem mandam”, “É como Deus quer, está nas mãos Dele"? Até quando vamos nos deixar iludir com esta ideologia, elaborada especialmente para manter as pessoas no imobilismo e esconder esta incoerência? 


(Imagens: pinturas de Nicole Eisenman) 

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