Sobre sistemas

sábado, 25 de março de 2023

 

"A violência considera-se sempre uma contraviolência, isto é, uma resposta à violência do Outro."  -   Jean-Paul Sartre   -   Crítica da razão dialética        


Quanto mais desorganizado um sistema; seja um ecossistema natural, uma empresa industrial ou comercial ou uma sociedade de qualquer período histórico, por exemplo, mais difícil torna-se obter dados e informações de forma coerente e em numero suficiente para tirarmos certas conclusões a respeito deste sistema. Ou seja, o sistema desorganizado não tem uma estrutura original, relativamente harmônica ou estática; está sendo afetado por mudanças, que darão origem a desenvolvimentos imprevisíveis para o observador. Por exemplo, se numa floresta tropical forem feitas várias intervenções através da atividade humana – desmatamento, introdução de espécies exóticas, aplicação de produtos químicos (como o “agente laranja” aplicado nas florestas do Sudeste Asiático pelas tropas americanas na Guerra do Vietnã), será muito difícil, se não impossível, prever a evolução deste “sistema-ecossistema”. Como os organismos foram ou serão afetados em sua alimentação, reprodução, sobrevivência? Se isto já é difícil em organismos superiores, basta imaginar o grau de complexidade inerente a uma análise dos efeitos nos trilhões de microrganismos – fungos, bactérias, insetos, vermes, vírus – que habitam o interior do solo deste ecossistema. A natureza demandará tempo para que o ecossistema volte a se recolocar em relativo equilíbrio, adaptando-se às novas condições (organismos que desapareceram e outros que puderam ocupar seus nichos).

Numa empresa a situação é comparável, se bem que menos complexa. O empreendimento foi estruturado de uma determinada maneira por planejadores, especialistas e técnicos de várias áreas, dependendo da amplitude do espectro de suas atividades e processos, para atingir determinados fins. Neste “sistema-empresa” cada equipamento, pessoa ou departamento, está sujeita a procedimentos que devem ser seguidos para manter a empresa em funcionamento, atingindo de uma maneira coesa seus objetivos. Se as condições do ambiente externo ou interno à empresa continuarem sendo as mesmas daquelas previstas pelos seus dirigentes, o “sistema-empresa” continuará operando, produzindo, vendendo e trazendo lucro aos seus proprietários. Todavia, se um fator adverso externo ou interno – como uma crise econômica, o aumento do custo dos insumos, o surgimento de um forte concorrente, um desfalque na contabilidade, a quebra de um equipamento – alterar este equilíbrio, será difícil prever quais poderão ser as consequências para a continuidade do empreendimento. Assim como um ecossistema, a empresa demandará tempo e intervenção humana, para voltar à situação de equilíbrio no novo ambiente e nas novas condições de operação. Dependendo da gravidade do ocorrido e da capacidade de resiliência, o empreendimento poderá desaparecer, como aconteceu, por exemplo, com a linha de câmeras fotográficas de filme da empresa Kodak.


Numa sociedade as coisas tornam-se mais difíceis ainda. A sociedade humana, especialmente as mais desenvolvidas tecnologicamente, têm uma complexidade inimaginável. Tanto que são várias as ciências que ao longo da história a humanidade desenvolveu para estudar o ser humano, a sociedade e o mundo no qual está inserida. Psicologia, medicina, história, sociologia, antropologia, arqueologia, química, física, geologia, biologia, astronomia, cosmologia, etc., etc. Isso sem falar sobre as histórias que contamos a nós mesmos a nosso respeito, sobre as sociedades e o mundo na literatura, na música, na dança, nas artes plásticas, na religião. Isso tudo não esquecendo de que nossas ciências e nossas artes não são uma cópia fiel ou uma explicação exata do “sistema-homem-mundo”. São hipóteses, teorias, generalizações, filosofias e ideologias, através das quais interpretamos e tentamos explicar o “sistema-homem-mundo” em padrões humanos, do ponto de vista do
homo sapiens. Será que as outras espécies de hominídeos que não existem mais, os australopitecos, o homo habilis, o homo ergaster, o homo erectus, o heidelbergensis, o denisova e o florencis, entre dezenas de outros que conhecemos e provavelmente centenas de outros grupos de hominídeos que nunca conheceremos, também tinham lá suas maneiras de interpretar a si mesmos e à natureza onde viviam?

Já as sociedades, as civilizações, transformam-se ou desaparecem por inumeráveis fatores, por vezes até desconhecidos para os historiadores. Ainda não existe uma explicação definitiva, por exemplo, sobre o motivo da decadência e do desaparecimento do império Maia na Mesoamérica, entre os séculos IX e XI de nossa era. Muitas cidades da antiga Mesopotâmia desapareceram queimadas e destruídas por saqueadores e dezenas delas ainda jazem desconhecidas, debaixo das areias do deserto do Iraque. O império acádio, primeiro estado mesopotâmico semita em 2.400 a. C., entrou em decadência por falta de água. Períodos prolongados de seca fizeram com que sua população abandonasse a região. Eridu, considerada a cidade mais antiga da história (5.500 a. C.), localizada na confluência dos rios Tigris e Eufrates na foz do Golfo Persico, foi abandonada definitivamente em cerca de 600 a. C. por falta de água. Outras cidades foram destruídas pelo fogo e saque, tendo sido reconstruídas por diversas vezes, como a lendária Tróia da Ilíada, cujas 10 camadas de ocupação foram descobertas no século XIX. No Brasil, a própria nascente São Paulo de Piratininga foi vítima de um ataque dos indígenas das tribos dos guarulhos, guainás e carijós, em 1562, conseguindo sobreviver.


As explicações para o aparecimento ou desaparecimento de “sistemas-sociedades” na forma de cidades, impérios ou civilizações são várias, mas são grandes generalizações para condensar e explicar de uma maneira razoável inúmeros acontecimentos, desde a morte de um importante general, a quebra seguida de safras de alimentos, uma seca prolongada ou uma ofensa recebida por um príncipe, provocando a guerra. O atual “sistema civilização mundial” também entrará em decadência e será substituído por outro? A implosão da economia capitalista, uma imensa crise ambiental, uma guerra nuclear planetária? Não sabemos, e talvez no futuro não hajam historiadores para descobrir.


(Imagens: pinturas de Tammam Azzam)

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