“Mas
que história é esta contada por Melville (Herman
Melville, escritor estadunidense do século XIX, autor de Moby Dick)? A de
uma mera baleia nos mares do Sul? Ou essa baleia não existe? Ou ela representa
o Mal que, dentro de uma visão maniqueísta da vida, perdurará até o fim dos
tempos, ao lado do Bem, e portanto jamais poderá ser extirpado? ‘Viu a Moby Dick?’, pergunta o capitão Ahab,
sempre que o Pequod cruza outro
barco. Uns a viram, outros nem sequer acreditam na sua existência. Um capitão
inglês exibe-lhe um braço artificial, de marfim, já que, como o próprio Ahab,
foi vítima do Leviatã dos Mares. Quando, no encontro final com a Baleia Branca,
o imediato Starbuck suplica ao capitão que desista de sua perseguição insensata
ou demoníaca, e que já durava quarenta anos, ele recusa. Daria dez vezes a
volta ao globo terrestre para matar a baleia, apesar da versão ou opinião de
que ainda não se forjara o arpão capaz de atingi-la. Explica o imediato: ‘Ahab
será sempre Ahab, o homem. Todo este ato foi imutavelmente decretado. Tu e eu o
ensaiamos um bilhão de anos antes que este oceano rolasse. Louco! Sou o
lugar-tenente do Destino; cumpro ordens.’ Travada a luta entre o capitão e a
baleia, esta, afinal ferida, faz o navio soçobrar. Um falcão do mar some-se nas
águas com o navio, ‘o qual, como Satã, não quis afundar no inferno sem arrastar
com ele uma parte viva do céu, que lhe servisse de escudo.’ Finda a catástrofe,
‘a grande muralha do mar continuou rolando como rolava cinco séculos antes’.”
Lêdo Ivo (1924-2012), poeta, ensaísta, novelista e jornalista brasileiro em Moby Dick de Herman Melville, publicado em As Obras-Primas que Poucos Leram, organizado por Heloisa Seixas


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