“A história universal, escreve Hegel, é a ‘representação do processo divino’, do curso gradual ‘em que o Espírito conhece a si mesmo e a sua verdade e a realiza’. Em outros termos, uma racionalidade progressiva se manifesta na história. Os materiais com os quais trabalha e os instrumentos que usa são os povos e os indivíduos, que, para além de qualquer intenção consciente, tanto submetendo-se como resistindo a seus planos, contribuem para a realização de uma finalidade universal. É o que o filósofo define como ‘astúcia da razão’, tradução laica, secularizada e imanente do conceito cristão de Providência."
“Retomando e criticando os pontos
centrais da filosofia kantiana, Arthur Schopenhauer (1788-1860) afirma que a
coisa em si, o noumeno, não é um
conceito-limite incognoscível, mas o fundamento cego, irracional, unitário dos
fenômenos, do mundo da representação, ou seja, do universo humano, com as suas
ações, desejos, acontecimentos etc. Esse fundamento é definido como vontade,
que se objetiva em graus diferentes (Ideias) no mundo dos fenômenos, da
natureza, da história. O gênero humano é composto por uma massa de ‘bonecos’ que
age, trabalha, sofre, atormenta-se, luta, encenando assim a ‘comédia inteira da
história universal’. Não há nenhum tipo de sentido, finalidade, objetivo nesse
processo dominado por uma força (a vontade) irracional, casual, cega e
ilusória.
Para Schopenhauer, o curso histórico é apenas a incessante repetição de um destino nefasto, ou seja, do mecanismo de carência, necessidade, desejo e tédio que governam a vontade. A história universal da espécie humana, escreve em sua principal obra, O mundo como vontade e representação (1819), nada mais é do que a ‘forma casual’ assumida pela manifestação da vontade à qual fatos e ações são absolutamente irrelevantes, estranhos e indiferentes, assim como o são as figuras que se desenham no céu às nuvens e a forma dos sorvedouros e das espumas ao rio.”
“Reelaborando ideias e questões já presentes no âmbito cultural francês e alemão, Arnold Gehlen (1904-76) teoriza explicitamente as noções de fim da história e de pós-história (posthistoire), sobretudo nos ensaios A secularização do progresso (1967), Fim da história? (1974), A cristalização cultural (1961). Ao curso histórico entendido como progresso, desenvolvimento, evolução dinâmica e universal, o antropólogo e sociólogo alemão contrapõe um estado permanente de rotina no qual será impossível operar transformações, produzir novas visões de mundo e em que se assistirá à mera sobrevivência de esferas diferentes de atividades. O movimento da civilização tecnológico-industrial, apesar de oscilações, avanços e recuos, levou a um ‘estado de motilidade perpétua’ em que tudo se reproduz e se repete incessantemente: é a ‘estase da história’, é o seu fim, o seu ‘pós’. Não há mais forças simbólicas (filosofia, arte, religião) capazes de construir uma nova imagem de mundo; a civilização alcançou um estágio de cristalização cultural, de substancial paralisia. Na pós-história tudo tende a nivelar-se no plano da contemporaneidade e da simultaneidade, o progresso se torna rotina e se dissolvem as ideias de renovação e transformação.”
Rossano Pecoraro (1971-) filósofo italiano em Filosofia da História


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