“Permitam-me
dizer algumas palavras sobre como vejo a filosofia. O livro começa com a
afirmação de que a filosofia começa com a decepção. Ou seja, a filosofia começa
não, como relata a tradição antiga, com uma experiência de admiração pelo fato
de que as coisas (a natureza, o mundo, o universo) são, mas sim com uma
sensação indeterminada, mas palpável, de que algo desejado não foi realizado,
de que um esforço fantástico falhou. Sente-se que as coisas não são, ou pelo
menos não da maneira que esperávamos ou desejávamos que fossem. Embora possa
haver precursores, vejo isso como uma concepção especificamente moderna de
filosofia. Para lhe dar um nome e uma data, pode-se dizer que é uma concepção
de filosofia que decorre da virada copernicana de Kant, a saber, que o grande
sonho metafísico da alma movendo-se sem atrito em direção ao conhecimento de si
mesma, das coisas em si e de Deus é apenas isso, um sonho. O conhecimento
absoluto das coisas como elas são está decisivamente além do alcance de
criaturas falíveis e finitas como nós.
Quase
nada, que também ressoa em muitos dos meus outros trabalhos, é que os seres
humanos são criaturas extremamente limitadas; um mero vapor ou vírus pode nos
destruir. Como disse Pascal, somos o caniço mais fraco da natureza e esse fato
exige um reconhecimento que é dado com muita relutância. Nossa cultura é
incessantemente assolada por mitos prometeicos de superação da condição humana,
seja por meio da fantasia da inteligência artificial ou de delírios
contemporâneos sobre clonagem e manipulação genética. Parece que temos enorme
dificuldade em aceitar nossa limitação, nossa finitude, e essa falha é, a meu
ver, causa de muita tragédia.”
Simon Critchley (1960-), filósofo inglês em Muito Pouco... Quase Nada: Morte, Filosofia, Literatura (original inglês: Very Little... Almost Nothing: Death, Philosophy, Literature)


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