Energia, gestão e crise energética

sábado, 1 de agosto de 2015
"Evidentemente você jamais cogitou de substituir o real pelo imaginário. Creio que não fiz qualquer confusão! Compreendo que a ordem do imaginário e a alta ordem do pensamento racional são diferentes. E também que o imaginário não seria redutível a termos racionais. Aí  está o nervo da questão."  -  Nise da Silveira  -  Cartas a Spinoza

No último dia 4 de julho de 2015 a energia elétrica ficou 17,31% mais cara para 6,7 milhões de clientes da AES Eletropaulo na região metropolitana de São Paulo. O aumento médio do custo da eletricidade durante o ano de 2015 já é de 75% e ainda são previstos outros acréscimos para o segundo semestre. De acordo com o governo, tais incrementos se devem à utilização das usinas termelétricas, operando com combustíveis fósseis em substituição às hidrelétricas, cujos reservatórios estão vazios.
A falta de chuvas é apenas parte da história da crise energética. Especialistas apontam outros fatores, de responsabilidade do governo, que tiveram um peso muito maior no agravamento da situação. Em recente artigo no jornal Valor, o engenheiro José Eduardo Moreira, diretor da Academia Nacional de Engenharia (ANE), aponta estes aspectos. Inicialmente, ressalta que o volume de chuvas não foi tão diminuto assim, de modo a justificar o uso tão intenso das termelétricas já em 2012. As chuvas alcançaram 90% de sua média histórica naquele ano e mantiveram o índice pluviométrico regular em 2013.
O que ocorreu, segundo o engenheiro, foi basicamente o não cumprimento dos Planos Decenais de Expansão da Geração e Transmissão, o que nos levou à situação atual. Alguns pontos listados pelo especialista apontam: 1) Atraso nas licitações de novas hidrelétricas; 2) Descompasso entre a instalação de geração hidrelétrica e eólica; 3) Pouco apoio à instalação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs); 4) Falta de diretrizes ambientais e socioambientais para aprovação de empreendimentos de energia; 5) Tarifas baixas estabelecidas nos leilões de energia hidrelétrica, afugentando investidores; 6) Ausência de um programa para a eficiência energética; 7) Falta de incentivo à geração distribuída (pequenas unidades); e 8) Inexistência de leilões regionais para PCHs e energia eólica.
A crise energética também tem suas raízes históricas. Desde o começo da década de 1950 quando começou sua industrialização, quase toda eletricidade era de origem hidrelétrica. Todos os grandes projetos de barragens hidrelétricas datam do período 1960-1970, a exceção de Itaipu inaugurada em 1984, além dos mais recentes projetos na Amazônia. Nos anos 1970 a energia nuclear também entrou nos planos dos governos militares da época. O país construiu três usinas nucleares - a última ainda em fase de acabamento, depois de ficar suspensa por anos. O alto custo deste tipo de tecnologia, aliado à oposição de grupos de interesse e parte da sociedade civil em relação à energia nuclear, fez com que novos projetos fossem abandonados. No final dos anos 1990 surgiram os primeiros projetos de energia renovável, limitados às PCHs e à energia eólica. A geração de energia a partir da biomassa, apesar de já estar em uso em muitas usinas de açúcar, ainda não teve incentivos significativos para possibilitar a sua efetiva expansão. A energia solar fotovoltaica, até o momento ainda relativamente cara, recebeu incentivos fiscais e teve seu primeiro leilão de compra em 2014.
O país precisará cada vez mais de energia. Mesmo implantando um consistente programa de eficiência energética - o que até o momento ainda não aconteceu - o governo precisará ampliar, modernizar, diversificar e descentralizar a geração de eletricidade, sem aumentar as emissões de gases poluentes.
(Imagens: pinturas de August Macke) 

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