Sobre a cultura

quarta-feira, 16 de setembro de 2015
"Nossas necessidades são poucas, mas nossos desejos são infindos." 
Bernard Shaw

A cultura popular é aquela que difere daquela praticada ou apreciada pelas classes dominantes. Tem sua origem na vida diária do povo; suas crenças e costumes, sua adaptação ao ambiente e às condições econômicas, valorizando seus aspectos históricos. O interesse pela cultura popular sempre existiu implicitamente na dita alta cultura. Muito do que foi produzido pela literatura, música e artes plásticas tem sua inspiração na prática do povo, desde a Idade Média.
A partir das Grandes Navegações, quando os europeus passaram a tomar contato com culturas de regiões não europeias, que estavam fora dos padrões estéticos (e muitas vezes morais) dos europeus, estas culturas forma classificadas como primitivas e atrasadas. A partir do início dos estudos antropológicos e sociológicos a Europa passou a estudar as culturas não europeias, pesquisando principalmente sua religião e organização social.
Ao mesmo tempo em que crescia o interesse pelas culturas de outros povos, desenvolvia-se também o estudo da cultura popular do próprio país ou região. Escritores, músicos e pintores passam a se voltar também para os temas populares, como fonte de inspiração. Assim, muitas das melodias incorporadas à música dita clássica ou erudita por compositores como Mozart ou Mahler, são de origem popular; eram canções originariamente cantadas e tocadas pelo povo. Histórias infantis hoje ainda contadas, como João e Maria e Chapeuzinho Vermelho, também têm origem popular - neste caso em condições reais do camponês da Idade Média. Foram coletadas e organizadas por filólogos e historiadores, como os alemães irmãos Grimm, que passaram a estudar a cultura popular, o folclore.
A cultura, em certos aspectos, foi muitas vezes utilizada para submeter outros povos. A Igreja Católica, por exemplo, em sua ação evangelizadora ao longo da história, sempre usou a estratégia da aculturação, muitas vezes forçada. Incorporava práticas dos povos subjugados e, desta forma, acabava privando-os de sua identidade cultural, ao fazê-los aderir ao catolicismo.  Na Idade Média a Igreja utilizou locais de culto celtas e germânicos (árvores, pedras, etc.) e em seu local construiu igreja e capelas. Incorporou festas pagãs, como a Festa do Fogo e a Festa da Colheita (transformados nos feriados juninos) e o dia das almas (que se tornou o católico feriado de finados). A mesma prática a Igreja teve no Novo Mundo, onde construiu seus templos sobre locais de culto dos povos ameríndios. No Peru, na Bolívia e no México estas práticas foram bastante utilizadas. Os templos dos povos eram parcialmente destruídos e serviam como fundamento do templo católico. A técnica de adaptar mitos indígenas ao catolicismo também foi bastante usada pelo jesuítas no Brasil, para aculturar os índios, de modo a torná-los mais “cooperativos” ao domínio português, pelo menos em uma primeira fase da colonização. 
Da mesma forma, a cultura pode servir como instrumento de libertação ou de resistência de um povo, ligando-o às suas tradições passadas, mantendo sua identidade cultural e social. Quanto mais um povo dominado valoriza suas próprias tradições culturais, tanto mais difícil será para um outro dominá-lo culturalmente. Exemplo disso é o caso do povo basco, que mantêm em parte sua língua e tradições culturais há centenas de anos, apesar de estar sob forte influência e domínio de duas culturas extremamente fortes, a francesa e a espanhola. O mesmo acontece no Tibete atual, onde apesar do enorme esforço chinês em destruir a cultura local, o povo tibetano segue mantendo suas tradições.
Por final, cabe ressaltar o caráter intrinsecamente humano da cultura, já que os animais não produzem cultura. Apesar de construírem teias, colmeias, ninhos, tocas e diversas outras formas elaboradas de local de abrigo e procriação, este impulso é transmitido geneticamente. Estudos mostram, no entanto, que o uso de certas ferramentas - espetos, pedras, ato de lavar alimentos - são práticas não herdadas e foram aprendidas copiando atitudes de outros membros da espécie.
Nos humanos, nem tudo é diferente. A discussão sobre quais comportamentos culturais são herdados geneticamente está cada vez mais acirrada. Admitindo que toda a evolução das sociedades humanas nos últimos 50 mil anos é baseada no desenvolvimento da cultura, é cada vez mais aceito que certas capacidades e comportamentos têm origens genéticas. No entanto, a construção de qualquer sociedade humana está baseada na cultura, elaborada e transmitida de uma geração à outra. A própria individualidade humana – segundo a antropologia e a psicologia – desenvolveu-se gradativamente, junto com a cultura. 
No final, talvez seja uma composição de ambos: herdamos geneticamente de nossos antepassados, anteriores ao homo sapiens, certas aptidões que através da interação com o ambiente vão se desenvolvendo. Esta praxis, que se torna mais elaborada e complexa ao longo de milênios, é o que chamamos de cultura.
(Imagens: pinturas de Max Liebermann)

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