Lourenço Diaféria (1933-2008)

domingo, 9 de julho de 2023

 



Lourenço Carlos Diaféria nasceu em São Paulo (SP) a 28 de agosto de 1933 e morreu na mesma cidade em 16 de setembro de 2008. Foi jornalista, cronista e contista brasileiro.

Diaféria começou seus estudos de jornalismo na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, transferindo-se depois para a Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo USP.

Iniciou sua carreira jornalística em1956, no jornal “Folha da Manhã”, atual “Folha de São Paulo”. Como cronista o início foi mais tardio, em 1964, quando escreveu seu primeiro texto assinado. Permaneceu no periódico paulista até o ano de 1977, quando foi preso pelo regime militar devido ao conteúdo da crônica  Herói. Morto. Nós. , considerada ofensiva às Forças Armadas. A crônica comentava o heroísmo do sargento Sílvio Delmar Hollenbach, que pulou em um poço de ariranhas no zoológico de Brasília, para salvar a vida de um menino que estava sendo atacado pelos animais. A criança se salvou, mas o militar morreu, vencido pela voracidade dos animais. A crônica também citava o duque de Caxias, o patrono do Exército, lembrando o estado de abandono de sua estátua no centro da capital de São Paulo, próximo à Estação da Luz. Para defender-se Lorenço Diaféria contratou o criminalista Leonardo Frankenthal, sendo considerado inocente em 1980. No dia 16 de setembro de 1977, a Folha publicou a coluna de Lourenço Diaféria em branco. Leia a crônica que provocou a cadeia de Diaféria pela ditadura em sua íntegra no link abaixo:

https://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/tempos_cruciais-02a.shtml

Deixando o jornal “Folha de São Paulo”, Diaféria passou a escrever suas famosas crônicas no “Jornal da Tarde”, no “Diário Popular” e no “Diário do Grande ABC”, além de quatro emissoras de rádio e a Rede Globo.

Católico atuante, Diaféria escreveu A Caminhada da Luz, livro sobre o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, grande defensor dos perseguidos pela ditadura civil-militar (que vigorava na época), a quem Diaféria admirava. A outra "religião" do jornalista era o futebol, e várias de suas crônicas – assim como o jornalista/escritor Nelson Rodrigues –, tratavam deste esporte. Seu time do coração era o Corinthians.

Enfrentando problemas cardíacos desde o início de 2008, Diaféria morreu de um infarto do miocárdio aos 75 anos, deixando viúva (Geíza), cinco filhos e três netos.

As crônicas de Diaféria marcaram época na imprensa paulista. Em 1976 ficou famoso em todo o mundo o caso do mágico israelense Uri Geller, que dizia poder entortar colheres apenas com a força da mente (capacidade que anos depois foi provada como sendo uma farsa). Quando se apresentava em programas de auditório, os anúncios diziam “não se esqueçam de levar objetos de metal, como garfos e colheres, e também relógios enguiçados”. No entanto, para Diaféria, os problemas reais – que não estavam sob controle da  população – não  seriam  facilmente  resolvidos  sem  atitudes  efetivas  nem  com  o “poder da mente”, como fazia a figura midiática.  Assim, em 17 de julho de 1976, a “Folha de São Paulo” publicou a crônica Quem está torta não é a colher. É a situação, assinada por Diaféria. No  texto,  as  questões sociais  e econômicas  emergem  a  partir  de  problemáticas rotineiras:

Entortar colher e garfos? Ora, minha senhora, isso é fácil.

Difícil é viver com salário mínimo.

Difícil é saber em quem votar nas próximas eleições.

Difícil é descobrir onde está o governador.

Difícil é prever quando vai terminar a censura.

Difícil é informar quando será o próximo aumento da gasolina.

Difícil é arranjar a solução para o problema da habitação popular.

Difícil é atravessar a Avenida 23 de Maio na hora do “rush”.

Difícil é melhorar o nível do ensino nas escolas.

Difícil é evitar fraudes nos vestibulares e nos exames supletivos.

Difícil é saber quando o leite não está contaminado.

Difícil é levantar a moral da torcida.

Difícil é fazer andar a burocracia nas repartições públicas.

Difícil é endireitar as filas da Previdência Social.

Difícil é informar quem vai ganhar a corrida armamentista,

Difícil é saber quando será o próximo aumento do dólar.

Difícil é garantir onde vai parar esta inflação.

Difícil é tomar água mineral sem susto e sem preocupações.

Difícil é desentortar o país.

Difícil é contar a verdade ao telespectador.

Difícil é aceitar criticas e sugestões.

Difícil é ter de sorrir.

Difícil é ter de enfrentar o supermercado e a feira-livre.

Difícil é conseguir poupança para botar na caderneta.

Difícil é ter de concluir que nada mudou na casa do Joca.

Difícil  é  a  gente  ter  de  continuar  confiando  no  futuro,  porque  no presente já não dá mais.

Difícil é viajar nos trens de subúrbio às 6 da manhã.

Difícil é falar  aos  filhos  oque  realmente  pensamos  a  respeito  disto  e daquilo.

Difícil é arrumar um garfo e uma colher que já não estejam tortos.

Difícil é conseguir o que pegar com o garfo e a colher.

Difícil é obter um relógio funcionando.

Difícil é consertar a telha quebrada em cima do barraco.

Difícil é desentortar a folha de zinco da favela.

Difícil é ajustar as antenas do povo.

Difícil é transformar o branco-e-preto da vida num programa em cores.

Difícil é a gente ter de se mancar diante disso que está aí.

Difícil é o povo só ser consultado pelo homem do Ibope.

Difícil (e espantoso) é observar que existem tantos relógios parados, há tanto tempo, na casa de tanta gente.

Ou seja: se não somos sequer capazes de acertar os ponteiros do relógio, imaginem o resto.

 

Principais obras de Lourenço Diaféria:

Um gato na terra do tamborim (1976); Berra, coração (1977); Para uma garota de quinze anos (1977) Circo dos Cavalões (1978); A morte sem colete (1983); O Empinador de Estrelas (1984); A longa busca da comodidade (1988); O invisível cavalo voador – Falas contemporâneas (1990); Os gatos pardos da noite; Coração Corinthiano; (1992); Papéis íntimos de um ex-boy assumido (1994); O imitador de gato (2000); Brás – Sotaques e desmemórias (2002); A caminhada da esperança (1996).

 

Frases de Lourenço Diaféria

 

As coisas banais não significam coisas desimportantes. São  apenas  coisas  que  nunca  chegam  às  manchetes  da  imprensa  e  ao  horário  nobre  da televisão”;

“Sou um artesão de variedades, um  falso  cômico  de  entreato,  mas  levo  uma desvantagem em relação aos palhaços. Não tenho direito de usar a máscara da pintura. Não posso esconder o meu riso, e não posso esconder o meu choro. Tenho de aparecer aqui –franqueado, aberto, inteiro. Em cada linha, em cada letra, em cada sinal, eu me traio e eu me entrego e eu me  jogo,  como  se  lança  no  ar  o  trapezista  no  seu  salto  triplo  cotidiano.  Sem rede.”;

“Tenho a impressão de que a urbe existiu, concreta e palpável, quando a cidade de São Paulo tinha no máximo uns 3 milhões de habitantes, havia o chá das 5 no Mappin Stores e passava trem na atual rua dos Trilhos. No tempo da urbe todo trabalhador civilizado usava paletó, calça comprida, gravata, camisa social e chapéu para ir fazer compras ou passear no Centro. Quem não tinha roupa adequada ficava no bairro.”;

E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis - tarde demais.”;

O cronista precisa fingir que faz crônicas por divertimento e que trabalha por não ter o que fazer.”;

Real ou imaginária, a memória do escritor é matéria-prima para criar a vida e as memórias alheias.”.


 

(Fontes consultadas:  Wikipedia; Texto: “A crônica e o jornal: Lourenço Diaféria na Folha de São Paulo”, de Kelly Yshida; Temporalidades –Revista de História, ISSN 1984-6150, Edição 25, V. 9, N. 3 (set./dez. 2017); Portal Citações e Frases Famosas; Portal Folha 80 Anos – Tempos cruciais;  Portal KD Frases)

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