“A filosofia é o conhecimento do que
é. Pensar e conhecer as coisas e os seres como são – eis a lei suprema, a mais
elevada tarefa da filosofia. O que é, pois, tal como é – portanto, o verdadeiro
na sua verdadeira expressão, parece superficial; o que é, expresso tal como não
é – portanto, o verdadeiro expresso sem verdade e de modo inverso, parece ser
profundo. A veracidade, a simplicidade, a exatidão são as características
formais da filosofia real. O ser, com que a filosofia começa, não se pode
separar da consciência nem a consciência se pode separar do ser. Assim como a
realidade da sensação é a qualidade e, inversamente, a sensação é a realidade
da qualidade, assim também o ser é a realidade da consciência, mas,
inversamente, a consciência é a realidade do ser – só a consciência é o ser efetivamente
real. A unidade real de espírito e natureza é tão-só a consciência.
Todas as determinações, formas,
categorias, ou como se quiser chamá-las, que a filosofia especulativa eliminou
do Absoluto e rejeitou para o âmbito do finito, do empírico, contêm justamente
a essência verdadeira do finito, o verdadeiro infinito, os verdadeiros e
últimos mistérios da filosofia. O espaço e o tempo são as formas de existência
de todo o ser. Só a existência no espaço e no tempo é existência. A negação do
espaço e do tempo é sempre apenas a negação dos seus limites, não do seu ser.
Uma sensação intemporal, uma vontade intemporal, um pensamento intemporal, um
ser intemporal são quimeras.”
“O teísmo baseia-se no conflito entre
a cabeça e o coração; o panteísmo é a supressão desta cisão na cisão – pois
torna imanente o ser divino apenas como transcendente –; o antropoteísmo é a
supressão da cisão sem cisão. O antropoteísmo é o coração elevado a
entendimento; exprime na cabeça apenas de maneira racional o que o coração diz
a seu modo. A religião é apenas afecção, sentimento, coração, amor, isto é, a
negação e dissolução de Deus no homem. Por conseguinte, a nova filosofia,
enquanto negação da teologia, que nega a verdade da paixão religiosa, é a
posição da religião. O antropoteísmo é a religião autoconsciente – a religião que
a si mesma se compreende. A teologia, pelo contrário, nega a religião sob a
aparência de a pôr.”
“Quem não abandonar a filosofia
hegeliana, não abandona a teologia. A doutrina hegeliana de que a natureza é a
realidade posta pela Ideia é apenas a expressão racional da doutrina teológica,
segundo a qual a natureza é criada por Deus, o ser material por um Ser
imaterial, isto é, um ser abstrato. No final da Lógica, leva mesmo a Ideia
absoluta a uma ‘decisão’ nebulosa para documentar, por sua própria mão, a sua
extração do céu teológico. A filosofia hegeliana é o último lugar de refúgio, o
último suporte racional da teologia. Assim como outrora os teólogos católicos
se tornaram efetivamente aristotélicos, para poderem combater o protestantismo,
assim também agora devem, por direito, os filósofos protestantes tornar-se
hegelianos para poderem combater o ‘ateísmo’.”
“A nova filosofia é a negação tanto
do racionalismo como do misticismo, tanto do panteísmo como do personalismo,
tanto do ateísmo como do teísmo; é a unidade de todas estas verdades
antitéticas enquanto verdade absolutamente independente e pura. A nova
filosofia já se expressou quer negativa quer positivamente como filosofia da
religião.”
Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872), filósofo alemão em Teses Provisórias para a Reforma da
Filosofia