“O
mundo é humano e não humano, antropocêntrico e não antropomórfico, às vezes até
misantrópico. Indiscutivelmente, um dos maiores desafios que a filosofia
enfrenta hoje, reside em compreender o mundo em que vivemos como um mundo
humano e não humano – e em compreendê-lo politicamente. Por um lado, estamos
cada vez mais e mais conscientes do mundo em que vivemos como um mundo não
humano, um mundo exterior, um mundo que se manifesta nos efeitos das mudanças
climáticas globais, dos desastres naturais, da crise energética e da extinção
progressiva de espécies em todo o mundo. Por outro lado, todos esses efeitos estão
ligados, direta e indiretamente ao nosso viver como parte deste mundo não
humano. Portanto, a contradição está embutida neste desafio – não podemos
deixar de pensar no mundo como um mundo humano, em virtude do fato de que somos
nós, seres humanos, que o pensamos.
Embora
possa haver alguma verdade nisso, o mais importante é como todas essas lentes
interpretativas – mitológicas, teológicas, existenciais – têm como pressuposto
mais básico uma visão do mundo como um mundo centrado no ser humano, como um
mundo ‘para nós’ como seres humanos, vivendo em culturas humanas, governado por
valores humanos. Embora a Grécia clássica reconheça, é claro, que o mundo não
está totalmente sob controle humano, ela tende a personificar o mundo não
humano em seu panteão de criaturas humanoides e seus deuses excessivamente
humanos, eles próprios governados por inveja, ganância e luxúria.
O
mesmo pode ser dito da estrutura cristã, que, embora também personifique o
sobrenatural (anjos e demônios; um Deus paternal, ora amoroso ora abusivo),
reformula a ordem do mundo dentro de uma estrutura moral-econômica de pecado,
dívida e redenção em uma vida após a morte. E a estrutura existencial moderna,
com seu imperativo ético de escolha, liberdade e vontade, diante dos
determinismos científicos e religiosos, acaba restringindo o mundo inteiro a um
vórtice solipsista e angustiado do sujeito humano individual.”
“Ao
longo de sua vida, Schopenhauer permaneceu igualmente insatisfeito com a
meticulosa construção sistemática de Kant, assim como com o romantismo
naturalista de Fichte, Schelling e Hegel. Se quisermos realmente pensar sobre o
mundo como ele existe em si mesmo, diz Schopenhauer, precisamos desafiar as
premissas mais básicas da filosofia. Estas incluem o princípio da razão
suficiente (tudo o que existe tem uma razão para existir), bem como a
desgastada dicotomia entre o eu e o mundo, tão central para a ciência empírica
moderna. Temos que considerar a possibilidade de que não haja razão para algo
existir; ou que a divisão entre sujeito e objeto seja apenas o nosso nome para
algo igualmente acidental que chamamos de conhecimento; ou, um pensamento ainda
mais difícil, que, embora possa haver alguma ordem para o eu e o cosmos, para o
microcosmo e o macrocosmo, é uma ordem absolutamente indiferente à nossa
existência e da qual podemos ter apenas uma consciência negativa. O máximo que
podemos fazer, observa Schopenhauer, é pensar essa persistência do negativo.
Ele usa o termo Vorstellung (representação;
ideia; concepção) para descrever essa consciência negativa, uma consciência do
mundo como o concebemos (seja por meio da experiência subjetiva ou por meio da
representação estética), ou do mundo como nos é apresentado (seja por meio do
conhecimento prático ou da observação científica). Seja como for, o mundo
continua sendo o mundo-para-nós, o mundo como Vorstellung. Existe algo fora disso?
Logicamente,
deve haver, visto que todo positivo precisa de um negativo. Schopenhauer chama
esse ‘quase-inexistente e estranho’ de Wille
(vontade; impulso; força), um termo que designa menos a volição ou ação de uma
pessoa individual e mais um princípio abstrato que permeia todas as coisas,
desde as entranhas da Terra até o conjunto de constelações – mas que em si não
é nada.”
Eugene Thacker, filósofo, escritor e professor estadunidense contemporâneo em In the Dust of this Planet (2011) - (Na poeira
deste planeta, sem tradução para o português)