Mudanças sociais e o meio ambiente

sábado, 5 de novembro de 2022

"Haverá por acaso algo que destrua alguém mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir, sem uma necessidade interior, sem uma escolha profundamente pessoal, sem prazer, como autômato do dever? Eis precisamente a receita da 'décadence', da própria imbecilidade."   -   Friedrich Nietzsche   -   O Anticristo  


As sociedades passam por transformações, principalmente porque sua economia se altera. Dito de outra forma: muda a maneira como as sociedades exploram e processam os recursos naturais, para transformá-los em mercadorias e serviços e evolui a maneira como o homem se relaciona com o meio ambiente onde vive. Através de inovações tecnológicas as sociedades passam a se utilizar das riquezas da natureza – plantas, animais, solos, minerais, recursos hídricos, etc. – de uma forma tecnologicamente mais eficiente, obtendo aumento de benefícios, em todas as formas. Este processo fica evidente quando estudamos os desenvolvimentos ocorridos, por exemplo, na agricultura durante os últimos 5 mil anos; do simples bastão que fura a terra para colocar a semente, ao automatizado trator com arado de disco. Da adubação com restos orgânicos, aos fertilizantes e corretivos aplicados por modernas máquinas. A irrigação por aspersão mecanizada, a criação de sementes híbridas, a aerofotogrametria... Um longo caminho foi percorrido pela humanidade no desenvolvimento de tecnologias cada vez mais produtivas. 

Estas transformações na prática econômica também provocam mudanças na cultura e vice versa. A cultura de uma sociedade, por sua vez, muda devido a diversos fatores, como: a invenção de uma tecnologia nova (arado, uso do cavalo, domesticação de novas plantas, máquina a vapor e motor a explosão), guerras, contatos com outras culturas, mudanças no meio ambiente e vários outros fatores (que muitas vezes são originados por causas econômicas). Ainda com relação às alterações nas sociedades, o que também se observa, é que as transformações sociais nas culturas do passado ocorriam de uma maneira mais lenta, comparadas às atuais. Devem ter decorrido várias centenas de anos, por exemplo, até que os habitantes da América Central tivessem conseguido domesticar a planta do milho ou do tomate, transformando-os em espécies mais adaptadas ao consumo humano. O mesmo, por certo, ocorreu com os povos da Ásia Central, que conseguiram domesticar o cavalo. Para torná-lo um animal dócil, adaptado à montaria, também devem ter treinado gerações seguidas de equinos. O mesmo se deu com quase todos os grãos e vegetais, que atualmente são a base da alimentação humana em todos o planeta. 

Por outro lado, observa-se que quanto mais desenvolvida culturalmente – e tecnologicamente – uma sociedade, mais rápido ocorrem também as modificações econômicas e sociais. Basta pesquisarmos nos livros de história o ritmo de desenvolvimento da civilização ocidental a partir do período das Grandes Navegações, nos séculos XV e XVI, e a velocidade das transformações sociais desde o início da Revolução Industrial, no final do século XVIII. Tecnologia, cultura, religião, economia, relações sociais, tudo se transforma mais rápido, quanto mais complexa a vida da sociedade. Para termos uma idéia mais clara de como as transmutações ocorrem nas sociedades modernas, basta observarmos a celeridade com que uma tecnologia mais antiga substitui uma nova (nas comunicações, nos transportes e nos produtos de consumo, por exemplo) e como a cultura em geral e a cultura de massa estão em constante transformação (as descobertas científicas, a moda, os gostos literários e musicais, as novas religiões, os costumes, a comunicação visual). 

Em suas atividades, o homem ocupa e se utiliza, bem ou mal, cada vez mais do meio ambiente devido ao exponencial crescimento das atividades econômicas. Aumentam as áreas destinadas à agricultura (vide a derrubada crescente das florestas tropicais e temperadas), há uma expansão da atividade de mineração, ampliam-se as cidades de todos os tamanhos, aumentam os números de voos de aviões de passageiros e os mares recebem mais navios e cada vez maiores. No entanto, esta influência é mútua, já que cada vez dependemos mais da natureza, pois é dela que extraímos todos os recursos utilizados em nossa civilização industrial. Isso faz com que o impacto das atividades humanas sobre os diversos biomas e ecossistemas se torne cada vez maior. 

No passado, o habitante da cidade medieval europeia, por exemplo, não era minimamente afetado pelo que ocorria em vastas regiões da China, inundadas por chuvas torrenciais, ou pelas secas que ocorriam naquele mesmo instante na África. Praticamente não havia comunicação entre estas regiões e a influência econômica de tais eventos no restante do planeta era quase nula. Em outro aspecto, como se desconhecia o uso da eletricidade, ninguém pensaria na disponibilidade ou não dos materiais dos quais atualmente extraímos recursos energéticos, como o carvão ou o petróleo. Quanto à quantidade de chuva que caía, o importante era que fosse suficiente para a atividade agrícola, garantindo uma colheita farta, que afastasse o temido espectro da fome. 

A situação hoje, contudo, é bastante diferente; vivemos em uma economia ampla e globalizada, onde qualquer acontecimento num lugar do planeta exerce influência sobre outro em lugar diferente. Cientistas apontam para o fato de que, a começar pelo clima, nossa civilização está sobrecarregando a Terra de tal maneira, que provocaremos uma reação em cadeia de mudanças, sobre as quais não teremos controle a curto e médio prazos. Devido à complexidade e à infinidade de fenômenos que ocorrem em cadeia na natureza, esta, uma vez abalada em seu equilíbrio, passa a operar de maneira diferente. Poderá chegar ao que os especialistas chamam de “ponto de não retorno”; quando a natureza assumir um comportamento aleatório, imprevisível, que demandará bastante tempo para voltar a uma situação de equilíbrio. No entanto estas mudanças, enquanto ocorrerem, podem ser tão imensas e impactantes sobre a civilização humana, que é possível que não tenhamos condições, a médio e longo prazos, de nos adaptarmos à nova situação do planeta. 

A maior parte dos habitantes do planeta mal considera ou imagina esta hipótese. Mas basta lembrar que a Terra passou por cinco grandes extinções em massa de espécies nos últimos 550 milhões de anos, que chegaram a dizimar a maior parte dos seres vivos que viviam sobre o planeta. Todas as cerca de 5-10 milhões de espécies de seres vivos que dividem hoje conosco a vida na Terra (a ciência ainda não dispõe de números exatos), representam menos de 2% de todas as espécies vivas que já existiram na história da vida no planeta. Ou seja, nós, homo sapiens, somos apenas uma entre as 250 a 500 milhões de espécies que já existiram na Terra. Faríamos alguma diferença na história da vida sobre o planeta, se nossa espécie desaparecesse através de vários cataclismos somados – secas, furacões, fome, epidemias, guerras – ao longo dos próximos 500 anos? Com certeza, nenhuma.    


(Imagens: pinturas de Frederick Horsman Varley)

0 comments:

Postar um comentário