Poluição, tecnologia e controle

sábado, 19 de novembro de 2022

 


"Os analistas do banco descrevem um mundo que está dividido em dois blocos: a plutonomia e o restante, criando uma sociedade global em que o crescimento é alimentado pela minoria próspera e por ela amplamente consumido. Alijados dos ganhos da plutonomia estão os 'não ricos', a vasta maioria, agora às vezes chamados 'precariado global', a população econômica ativa que vive uma existência instável e cada vez mais atingida pela penúria."   -   Noam Chomsky   -   Quem manda no mundo?      


As sociedades passaram por grandes transformações desde o surgimento da industrialização, no final do século XVIII. O uso da força motriz teve início no setor de mineração e em seguida na indústria têxtil, em Manchester, na Inglaterra. O uso de máquinas nos processes de produção posteriormente foi estendido à Europa continental, França e Alemanha, e para os Estados Unidos, para depois espalhar-se por outros países. No Brasil a industrialização deu seus primeiros passos ainda na segunda metade do século XIX, incialmente na cidade do Rio de Janeiro. 

As mudanças na economia, tecnologia e na sociedade, que acompanharam a industrialização, também trouxeram consigo uma série de problemas. Milhões de pessoas deslocaram-se do campo ou das pequenas cidades para as metrópoles, onde estavam estabelecidas as indústrias. O crescimento populacional acelerado que ocorreu na Europa a partir do século XVIII, fez com que as zonas rurais e os pequenos centros urbanos já não pudessem mais acomodar e proporcionar subsistência para parte de seus habitantes. Por outro lado a possibilidade de viver na cidade grande, ter um trabalho com salário semanal ou mensal garantido, poder comprar os produtos e as diversões só disponíveis nas metrópoles, foram incentivos adicionais para que estas pessoas migrassem. Para a maior parte delas, no entanto, as condições de vida urbanas para os operários eram piores do que aquelas que tinham na aldeia ou na fazenda de onde saíram. Jornadas de trabalho de dez, doze horas ou mais, inclusive para mulheres e crianças, em condições insalubres e inseguras, com pouca proteção legal – as leis trabalhistas só surgiriam consistentes e abrangentes na segunda metade do século XIX. Também as condições de moradia eram muito ruins; casas pequenas, sem água corrente ou instalações sanitárias adequadas, apinhadas de moradores, já que os aluguéis eram altos em relação aos salários recebidos pelos trabalhadores.

Friedrich Engels (1820-1895), filósofo, economista e coautor de várias obras junto com o amigo Karl Marx, chegou a administrar por algum tempo a indústria que sua família possuía em Manchester, conhecendo de perto as condições de vida desses trabalhadores. Seu estudo transformado em livro, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (1845), foi uma das primeiras obras científicas a analisarem as condições de trabalho e de vida dos operários da indústria britânica. O escritor inglês Charles Dickens (1812-1870), contemporâneo de Engels, também retratou este período da história da Inglaterra em romances como Oliver Twist e David Copperfield, entre outros. 

Este processo de deslocamento populacional que ocorreu na Europa no século XIX e início do XX, também verificou-se no Brasil, principalmente entre os anos 1940 e 1980, quando o país se industrializava e urbanizava. Atualmente, em nações como a Índia e a China ainda se registram grandes migrações das zonas rurais para as cidades, nas quais as condições de vida continuam sendo melhores do que no campo. Todavia, o aumento da população urbana e da atividade industrial criou problemas de poluição da água, do solo e do ar. Grandes volumes de esgoto, resíduos industriais e lixo urbano precisavam ser removidas e tratados de maneira a não representarem ameaça para os habitantes das cidades. 

O desenvolvimento tecnológico que se acelerou a partir da segunda metade do século XIX, foi a base para o aumento da variedade e do volume de produtos produzidos pela indústria e a manufatura. O aumento da atividade industrial implica mais uso de matérias primas e recursos naturais, provocando maior geração de resíduos. Isso porque, quanto menos desenvolvido tecnicamente um processo produtivo, menos eficiente é, e mais perdas (resíduos) ocasiona. Estes resíduos, que de certo modo são matéria prima mal aproveitada, acabam se tornando dejetos; emissões atmosféricas, efluentes e resíduos sólidos poluentes. 

No entanto, com o avanço da ciência e da tecnologia ao longo do século XX, desenvolveram-se técnicas e equipamentos que possibilitam, dentro dos diversos processos de fabricação industrial, um melhor aproveitamento dos insumos e matérias primas, reduzindo com isso as perdas do processo produtivo. Uma completa eliminação das “perdas” durante o processo, no entanto, é tecnicamente inviável, ocorrendo sempre uma “sobra” de processo; seja na forma gasosa, líquida ou sólida. 

Estas “sobras” de processo industrial sempre foram um problema. Reuso, reciclagem e correta disposição final destes resíduos são técnicas que tardiamente começaram a ser desenvolvidas e utilizadas a partir dos anos 1960 e 1970. Antes desse período eram poucas as práticas e as leis referentes às emissões, o que acabou ocasionando vários acidentes ambientais, com contaminações de solos, águas e da atmosfera (veja exemplos em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/acervo/educacao/audio/2017-12/historia-hoje-ha-65-anos-londres-era-tomada-pelo-nevoeiro-de-fumaca-que-matou/> e <https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/desastre-de-minamata-crime-ecologico-que-deixou-marcas-por-decadas-no-japao-10102255>) 

Movimentos da sociedade civil, partidos políticos, cientistas, intelectuais e empresários conscientes de países industrializados, começaram a pressionar governos e parlamentos para que fossem votadas e aprovadas leis ambientais regulando estas questões. Assim, havendo leis que impunham a adoção de certas medidas quanto aos dejetos industriais e urbanos, as empresas e prefeituras viram-se forçadas a atenderem a lei, sob pena de serem fechadas ou multadas. Esta situação provocou uma procura por tecnologias que atendessem a estas demandas. Institutos de pesquisa, universidades e empresas desenvolveram equipamentos e processos para eliminar, reduzir, reutilizar, reciclar e dar uma destinação final correta a todos tipo de resíduo de processo industrial e aos resíduos domésticos. A variedade de tecnologias continua crescendo, já que é constante a pressão para que poluidores acabem com a poluição e recuperem os danos causados ao meio ambiente. 

É o princípio conhecido como “poluidor pagador”, ou seja: aquele que poluir o meio ambiente terá que arcar com os custos para recuperá-lo. Por exemplo: uma empresa não pode tirar água de um rio, utilizá-la para produzir determinado produto, mas devolver a água ao rio na forma de esgoto. Terá que retornar a água ao rio com a mesma pureza que retirou, e pagará pelo uso que fez dela. Por princípio, a água do rio pertence a todos e sua exploração (e eventual poluição) não pode ser privatizada. A mesma coisa se aplica àqueles que destroem uma mata de restinga para criar um loteamento, ou que desviam um rio para irrigar somente a sua própria terra; os que poluem o ar ou espalham resíduos pelas ruas da cidade. Todos precisam “desfazer” o estrago que fizeram. O comportamento destas pessoas é imoral, criminoso. Se apoderam de um bem que pertence a todos, auferindo benefícios só para si – ou para seus acionistas, seus diretores, seu sócio, seja quem for. Se uma autoridade pública, que tem a obrigação de zelar pelo bem público (afinal, foi votada para isso), for conivente com a atitude do poluidor, também está deixando de cumprir a lei. Ou seja, está permitindo que alguns tirem proveito da maioria. Socializar os custos e privatizar os benefícios; é desta maneira que muitos ainda encaram a questão ambiental. 

No Brasil os órgãos ambientais municipais, estaduais e federais precisarão retomar suas práticas de controle, que nos últimos anos diminuíram consideravelmente. Corte de recursos, remanejamento e dispensa de pessoal e, principalmente, uma ideologia de oposição às causas ambientais, atrasaram o avanço deste tema no país inteiro. 

As tecnologias para combate e diminuição da poluição estão amplamente disponíveis no mercado. O poluidor não pode alegar que, em exercendo sua atividade, não tenha recursos para reduzir ou acabar com a poluição que gera. Esta é uma atitude ilegal e imoral. Para combater tal tipo de atitude o cidadão pode exercer seu direito político de protestar e exigir providências das autoridades responsáveis. A questão ambiental não é só técnica ou econômica, mas primeiramente ética e política. 


(Imagens: pinturas de Henry Gastineau)

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