“Aqui, os capitais estrangeiros deformaram estranhamente a nossa economia. Dum país que possui a maior reserva de ferro e o mais alto potencial hidráulico, fizeram um país de sobremesa. Café, açúcar, fumo, bananas. Que nos sobrem ao menos as bananas! Os capitais estrangeiros compraram as nossas quedas-d’água e criaram um sórdido e meigo urbanismo colonial que passou a ser o que eles queriam — um dos melhores mercados para os seus produtos e chocalhos.
Sendo assim, o ouro entra pelo café e sai pelo escapamento dos automóveis. Gastamos trezentos mil contos por ano em pneumáticos, gasolina ou coisa parecida. E a Amazônia da borracha e a baixada do álcool-motor perecem. A nossa capacidade interna de consumo para o café (40 milhões de habitantes) seria normalmente de 5 milhões de sacas por ano. Mas quem foi que disse que o paulista ou qualquer outro litorâneo rico jamais se incomodou senão liricamente com as populações esfomeadas do Nordeste ou com os escravos recentes de Mister Ford? Protegemos o sal da Espanha contra a produção das salinas do Rio Grande do Norte. Comemos maçã da Califórnia, bacalhau e sardinha mas mantemos no mais aviltante dos níveis baixos o produtor das melhores frutas do mundo e o pescador do farto peixe dos nossos rios e do nosso mar. Se não compramos nada dos outros Estados, é mais que lógico que estejamos engasgados com 22 milhões de sacas de café, inclusive a pedra! No bonde em que entramos, no cinema onde vamos, no pão que comemos, pomos sorrindo o óbulo generoso de mais de 50 % para os pobrezinhos estrangeiros que ajudaram a criar a nossa grandeza. É essa a situação do Brasil, onde O Homem do Povo se situa para dizer o que sofre, o que pensa e o que quer.” (Andrade, pág. 44 e 45).
Oswald de Andrade (1890-1954), poeta, escritor, um dos intelectuais organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, em Manifesto Antropófago e outros textos


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