“Com efeito, a lógica especulativa envolve uma aceitação e até uma celebração do risco. Konings argumenta que a especulação financeira se torna uma prática central, em que o valor é gerado não apenas pela produção, mas pela capacidade de prever e manipular futuros possíveis. Com efeito, a financeirização se estenderia – com pouca resistência – além dos mercados financeiros, influenciando todos os aspectos da vida social. A lógica especulativa permeia decisões pessoais, políticas públicas e práticas empresariais, moldando a forma como as pessoas pensam sobre segurança, investimento e valor. Tal lógica especulativa cria instabilidade e desigualdade, na medida em que a ênfase na especulação e no risco beneficia uma pequena elite financeira enquanto precariza a vida da maioria das pessoas. Segue-se, portanto, uma reconfiguração das relações de poder, deslocando a autoridade das instituições democráticas para os mercados financeiros. A lógica especulativa do capital redefine quem tem o poder de moldar o futuro e como esse poder é exercido.” (Calejon e Rocaglia, págs. 174 e 175).
“Aqui entra a dimensão do poder econômico traduzido em poder midiático e político. Esses grupos ligados ao agronegócio, ao extrativismo mineral e aos mercados financeiros montaram grandes estruturas de bloqueio contra a transformação da economia. Ao controlar veículos de imprensa e financiar a eleição de deputados e senadores, bem como de mandatários do Poder Executivo em todos os níveis, tais grupos buscam persuadir a sociedade de que seu lucro atua em favor dela. É daí que nascem campanhas publicitárias massificadas como ‘O agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo’; e inverdades como ‘O agro brasileiro alimenta o mundo’. Essa camada comunicacional protege – muitas vezes ocultando ou não dando a devida ênfase a – ações legislativas que garantem benefícios fiscais e creditícios, bem como subsídios diretos à produção desses setores. O resultado é a concentração ainda maior do poder econômico e suas consequências sobre a política e o debate público.” (Calejon e Roncaglia, pags. 179 e 180).
“A agropecuária representa 7,9 % do
PIB e míseros 3 % dos empregos formais da economia, mas paga menos de 1,5 % da
arrecadação total de tributos. É o único setor que abocanha uma fatia dos
benefícios tributários (13,5 %) maior do que sua contribuição ao PIB. Por
comparação, a indústria representa 12,9% do PIB e 15 % dos empregos formais,
sendo responsável por 31% dos tributos arrecadados e 12,5 % dos benefícios
tributários. Além disso, o agro não seria tech sem os pesados investimentos
feitos pelo Estado em pesquisa agropecuária. A Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) custou 3,5 bilhões de reais aos cofres públicos em 2023.
Cerca de 2.500 pesquisadores oferecem inovações que melhoram a produtividade do
setor. Em contraste, a Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial
(Embrapii ) recebe 1,1 bilhão de reais, enquanto o Centro Nacional de
Tecnologia Eletrônica Avançada (CEITEC), ‘estatal do chip’ que tira o sono dos
liberais, custa 53 milhões de reais ao orçamento federal. É uma raridade um
empresário do agronegócio reclamar da Selic estratosférica. Sabe por quê? O
agro conta com o Plano Safra, que oferece crédito com taxas de juros variando
de 7 % ao ano até 12,5 % ao ano. A Selic pode ir para Marte que o agro não dará
um pio. Dificilmente o agro seria pop se pagasse as taxas de juros que a
indústria paga, cujo piso médio está em 20 % ao ano. No período de 2023 a 2024,
serão 435 bilhões de reais em crédito subsidiado (apenas 73 bilhões serão
destinados à agricultura familiar). Em 2015, o crédito direcionado representava
90 % do Plano Safra, caindo para cerca de 50 % desde então. O motivo é a
captação de crédito via Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e nos
Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), ambos com isenção do imposto
de renda sobre os rendimentos financeiros.” (Calejon e Roncaglia, págs. 188 e
189).
Cesar Calejon (1979-), jornalista e escritor brasileiro e André Roncaglia (1983-), economista, professor e representante do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional) em Poder e Desigualdade.


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