Leituras diárias

segunda-feira, 21 de julho de 2025


 

“O cerne da ideia de progresso é a crença de que a vida humana se torna melhor com o crescimento do conhecimento. O erro não está em pensar que a vida humana pode melhorar. Em vez disso, é imaginar que a melhoria pode ser cumulativa. Ao contrário da ciência, a ética e a política não são atividades nas quais o que é aprendido em uma geração pode ser passado para um número indefinido de gerações futuras. Como as artes, são habilidades práticas e são facilmente perdidas. Muitos pensadores do Iluminismo aceitaram que o avanço científico poderia desacelerar ou parar, como em períodos anteriores da história, e nesse caso o progresso social também pararia. No entanto, enquanto o avanço da ciência continuasse, eles acreditavam que a vida humana melhoraria. A melhoria pode não ser rápida ou constante, mas seria incremental, com cada novo avanço construindo sobre o anterior, como o crescimento do conhecimento na ciência. O que nenhum dos pensadores do Iluminismo imaginou, e seus seguidores hoje falharam em perceber, é que a vida humana pode se tornar mais selvagem e irracional, mesmo com a aceleração do avanço científico. Agora que a ciência é mundial, o avanço do conhecimento é imparável. A não ser que ocorra uma crise global quase inimaginável, não há perspectiva de que o avanço da ciência diminua ou volte atrás. Em ética e política, no entanto, nenhum ganho é irreversível. O conhecimento humano cresce, mas o animal humano permanece praticamente o mesmo. Os humanos usam seu conhecimento crescente para promover seus objetivos conflitantes — sejam eles quais forem. Genocídio e destruição da natureza são produtos do conhecimento científico tanto quanto antibióticos e aumento da longevidade. A ciência amplia o poder humano. Ela não pode tornar a vida humana mais razoável, pacífica ou civilizada, muito menos permitir que a humanidade refaça o mundo.

Ao chamar a crença no progresso de ilusão, não quero dizer que devemos — ou podemos — simplesmente rejeitá-la. Quando Freud descreveu a religião como uma ilusão, ele não quis dizer que ela era totalmente falsa, nem estava sugerindo que a humanidade poderia viver sem ela. Ilusões não são meros erros. São crenças às quais nos apegamos por razões que não têm nada a ver com a verdade. Nós nos voltamos para a religião não para uma explicação do universo, mas para encontrar significado na vida.”

 

“A ideia de progresso, que anima todos os partidos hoje, é uma réplica vazia de uma concepção cristã da história. Em uma visão cristã, a história não pode ser sem significado. É um conto de pecado e redenção escrito por Deus – mesmo que muito nele esteja fadado a permanecer misterioso. O risco de qualquer religião histórica é que ela acabe dando muita importância ao tempo e muito pouco ao que é eterno. O cristianismo tradicional – a fé de Agostinho, por exemplo – procurou evitar esse perigo negando que o funcionamento da providência pode ser conhecido pelo entendimento humano. Foi uma precaução sábia, mas não impediu o surgimento de movimentos milenares no final da Idade Média, ou a mutação do cristianismo nas religiões políticas militantes dos tempos modernos.”

 

John Gray (1948-), filósofo e ensaísta inglês em Heresias: contra o progresso e outras ilusões (Heresies: Against progress and other illusions)

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