“O
cerne da ideia de progresso é a crença de que a vida humana se torna melhor com
o crescimento do conhecimento. O erro não está em pensar que a vida humana pode
melhorar. Em vez disso, é imaginar que a melhoria pode ser cumulativa. Ao
contrário da ciência, a ética e a política não são atividades nas quais o que é
aprendido em uma geração pode ser passado para um número indefinido de gerações
futuras. Como as artes, são habilidades práticas e são facilmente perdidas.
Muitos pensadores do Iluminismo aceitaram que o avanço científico poderia
desacelerar ou parar, como em períodos anteriores da história, e nesse caso o
progresso social também pararia. No entanto, enquanto o avanço da ciência
continuasse, eles acreditavam que a vida humana melhoraria. A melhoria pode não
ser rápida ou constante, mas seria incremental, com cada novo avanço
construindo sobre o anterior, como o crescimento do conhecimento na ciência. O
que nenhum dos pensadores do Iluminismo imaginou, e seus seguidores hoje
falharam em perceber, é que a vida humana pode se tornar mais selvagem e
irracional, mesmo com a aceleração do avanço científico. Agora que a ciência é
mundial, o avanço do conhecimento é imparável. A não ser que ocorra uma crise
global quase inimaginável, não há perspectiva de que o avanço da ciência
diminua ou volte atrás. Em ética e política, no entanto, nenhum ganho é
irreversível. O conhecimento humano cresce, mas o animal humano permanece
praticamente o mesmo. Os humanos usam seu conhecimento crescente para promover
seus objetivos conflitantes — sejam eles quais forem. Genocídio e destruição da
natureza são produtos do conhecimento científico tanto quanto antibióticos e
aumento da longevidade. A ciência amplia o poder humano. Ela não pode tornar a
vida humana mais razoável, pacífica ou civilizada, muito menos permitir que a
humanidade refaça o mundo.
Ao
chamar a crença no progresso de ilusão, não quero dizer que devemos — ou
podemos — simplesmente rejeitá-la. Quando Freud descreveu a religião como uma
ilusão, ele não quis dizer que ela era totalmente falsa, nem estava sugerindo
que a humanidade poderia viver sem ela. Ilusões não são meros erros. São
crenças às quais nos apegamos por razões que não têm nada a ver com a verdade.
Nós nos voltamos para a religião não para uma explicação do universo, mas para
encontrar significado na vida.”
“A
ideia de progresso, que anima todos os partidos hoje, é uma réplica vazia de
uma concepção cristã da história. Em uma visão cristã, a história não pode ser
sem significado. É um conto de pecado e redenção escrito por Deus – mesmo que
muito nele esteja fadado a permanecer misterioso. O risco de qualquer religião
histórica é que ela acabe dando muita importância ao tempo e muito pouco ao que
é eterno. O cristianismo tradicional – a fé de Agostinho, por exemplo –
procurou evitar esse perigo negando que o funcionamento da providência pode ser
conhecido pelo entendimento humano. Foi uma precaução sábia, mas não impediu o
surgimento de movimentos milenares no final da Idade Média, ou a mutação do
cristianismo nas religiões políticas militantes dos tempos modernos.”
John Gray (1948-), filósofo e ensaísta inglês em Heresias: contra o progresso e outras ilusões (Heresies: Against progress and other illusions)


0 comments:
Postar um comentário